Antigamente no local onde hoje existe o museu Tuol Sleng, havia uma escola secundária de nome Tuol Svay Prey. A escola era composta por cinco edifícios onde o povo cambojano podia usufruir da tão importante educação. Mas em agosto de 1975 esse cenário seria alterado dramaticamente, pois no local passaria a funcionar um centro de prisão e interrogatório, onde milhares de pessoas perderam suas vidas. Convido a todos os amigos e amigas a conhecerem um pouco mais dessa terrível história.
A criação da Unidade de Aprisionamento e Interrogatório S-21
Em agosto de 1975, quatro meses após o Khmer Vermelho - nome dado aos seguidores do Partido Comunista da Kampuchea - chegar ao poder após ter vencido uma sangrenta guerra civil, a escola que antes se chamava Tuol Svay Prey foi transformada na Unidade de Aprisionamento e Interrogatório S-21, ou Tuol Sleng, como também era conhecido esse lugar, que em khmer significa “Montanha das Árvores Venenosas”.
O perímetro do que antes era um centro de ensino foi fechado com cercas de arame farpado e fios eletrificados, onde antes eram as salas de aula foram erguidas minúsculas celas individuais rudimentarmente construídas e as janelas foram fechadas com barras de ferro e arame farpado.
O local que recebeu inimigos do novo governo entre os anos de 1975 e 1979 faz parte de um dos episódios mais sangrentos da história do país asiático. O lugar ainda guarda dolorosas marcas das barbaridades cometidas no seu interior contra presos políticos. Estima-se que em Tuol Sleng foram aprisionadas em torno de 17000 e 24000 pessoas ao longo dos anos. O mais chocante é que apenas 12 pessoas são reconhecidas como sobreviventes do local. Em média a prisão comportava cerca de 1000 a 1500 pessoas por vez dentro dos seus domínios. Geralmente as pessoas eram interrogadas no local e enviadas para Choeung Ek, um centro de execução em massa.
Criação do Museu
Em 1980, a prisão foi transformada em um museu histórico, mostrando ao mundo as atrocidades cometidas pelo regime Khmer Vermelho. O museu está aberto à visitação pública, e recebe uma média de 500 visitantes todos os dias. Pra visitar o museu, basta pegar um tuk-tuk ou táxi de qualquer parte da cidade de Phnom Penh.
Algumas celas mantêm inalteradas suas características originais, servindo como um registro fiel do que era a prisão no período em que esteve em funcionamento. Em algumas delas os visitantes desse macabro museu, fotografias de pessoas do jeito que foram encontradas, mostrando a que ponto a crueldade do ser humano pode chegar.
História
As estimativas de pessoas aprisionadas para interrogatório e tortura entre 1975 e 1979 variam de 17000 a 24000, das quais apenas doze pessoas sobreviveram. Em qualquer período durante o reinado de terror do Khmer Rouge a prisão continha um número médio que variava entre 1000 e 1500 prisioneiros. Os internos foram repetidamente torturados e coagidos a se confessarem como “espiões” ou “conspiradores” ou mesmo a nomear parentes e amigos como tal, que por sua vez, eram também presos, torturados e mortos em nome do regime. Nos primeiros meses de existência da S-21, a maioria das vitimas eram trabalhadores do regime de Lon Nol e pessoas com algum nível de educação formal, o que incluía soldados, professores, médicos, oficiais do governo, burocratas, engenheiros, comerciantes, funcionários públicos e até mesmo monges budistas e professores de escolas primárias. Nos últimos meses de existência do regime ultramaoísta, a paranoia do regime começou a se virar contra membros do próprio partido, fazendo com que milhares de membros de todos os escalões do Khmer Vermelho fossem trazidos juntamente com suas famílias para serem interrogados, e, em seguida exterminados. Dentre esses, se incluem alguns dos membros e oficiais do “Angkar” (“organização” em khmer, maneira a qual o partido era referido algumas vezes) do mais alto escalão como, por exemplo, Khoy Thoun, Vorn Vet e Hu Nim. Apesar da acusação oficial contra esses homens ter sido “espionagem”, eles podem ter sido presos pelo fato de Pol Pot vê-los como líderes potenciais de um golpe de estado contra ele. As famílias dos prisioneiros foram muitas vezes trazidas para serem interrogadas e em seguida exterminadas em massa no Centro de Execuções Choeung Ek.
Apesar da ampla maioria das vítimas serem de origem Khmer, o total de aprisionados também incluía estrangeiros, como australianos, neozelandeses, britânicos, americanos, franceses, indianos, paquistaneses, laocianos, tailandeses, e, principalmente vietnamitas étnicos, por quem Pol Pot e outros oficiais do Khmer Vermelho alimentavam um ódio ferrenho.
No momento da entrada do Khmer Rouge no poder, a maioria dos não cambojanos foi evacuada ou deportada para seus países de origem e aqueles que permaneceram foram vistos pelo partido como um risco iminente à segurança nacional. Um considerável número de estrangeiros ocidentais passou por Tuol Sleng entre 1975 e Dezembro de 1978. A maioria desses foi pega no mar pela guarda costeira do Khmer Rouge. Eles incluíam quatro americanos, três franceses, um britânico e um neozelandês. Um dos últimos prisioneiros a morrer foi o americano Michael Scott Deeds, que foi capturado com seu amigo Chris DeLance enquanto navegavam rumo ao Havaí partindo de Cingapura.
Centro de Execuções Choeung Ek
Choeung Euk é o mais conhecido dos muitos ‘campos da morte’, onde cerca de 1 milhão de cambojanos foram executados sob o regime do Khmer Vermelho. O lugar em si, uma fazenda a cerca de 40 minutos de táxi, ou tuk-tuk, partindo do centro de Pnom Phem, é bonito, o que pode ser ainda mais assustador.
Dezenas de valas comuns contendo quase 9000 corpos foram encontradas ali. Muitas das pessoas executadas haviam sido prisioneiras transportadas de Tuol Sleng.
Hoje em dia existe no local um memorial aos mortos, onde estão guardados os crânios e ossos dos cadáveres de muitas das vítimas, que haviam sido submetidas a todo tipo de atrocidades.
Vida na prisão de Tuol Sleng
Ao chegar à prisão, os prisioneiros eram fotografados e era exigido que fizessem uma biografia detalhada de suas vidas, começando por sua infância e terminando por sua prisão. Feito isso, eram forçados a retirarem suas roupas íntimas e seus bens eram confiscados, e então, os eles eram levados a suas celas. Aqueles levados a celas menores (as baias individuais) eram algemados às paredes ou ao chão de concreto. Os prisioneiros levados às celas maiores (coletivas) eram algemados a longas barras de aço. Os prisioneiros dormiam no chão, pois não havia colchões, redes ou cobertores no presídio.
Uma das raras camas encontradas no local
O dia na prisão começava às 04h30min da manhã, quando os prisioneiros eram evacuados de suas celas para inspeção. Os guardas checavam se as algemas estavam frouxas ou se havia algum objeto escondido que pudesse ser usado pelos prisioneiros para que se cometesse suicídio. Ao passar dos anos, muitos prisioneiros tiveram sucesso em suas tentativas de suicídio, então os guardas passaram a ser mais minuciosos ao verificar folgas em correntes e ao procurar objetos em celas.
Os suicídios eram evitados, pois os responsáveis pela prisão temiam que informações importantes acabassem sendo perdidas caso algumas das pessoas obtivesse êxito em tirar a própria vida, com a finalidade de por um fim no tormento a que estavam submetidos.
A prisão possuía regras extremamente rígidas, e brutais espancamentos eram aplicados como punição a todo e qualquer prisioneiro que as infligisse. Praticamente todas as ações tomadas pelos internos deveriam ser aprovadas pelos monitores. As humilhações eram cruéis e frequentes: não raros eram os casos em que prisioneiros eram forçados a comer fezes e beber a urina de outros prisioneiros.
A falta de higiene frequentemente provocava surtos de doenças cutâneas, como exantema, piolhos, dermatofitose e outras doenças. As unidades médicas da prisão eram orientadas a manterem os prisioneiros vivos, tempo suficiente para que fossem interrogados.
Quando um prisioneiro era movido de sua cela, um capuz era colocado sobre sua cabeça, para que não pudesse ver para onde estava sendo levado e para que ele não conhecesse possíveis caminhos para um caso de fuga.
Tortura e Extermínio
A maioria dos internos da S-21 eram mantidos por lá durante 2 ou 3 meses. Entretanto, muitos dos oficiais de alta patente do Khmer Rouge, que acabaram acusados de traição e espionagem eram mantidos por mais tempo. Dentro de dois ou três dias após serem levados a S-21, todos os prisioneiros eram conduzidos ao interrogatório. O sistema de tortura em Tuol Sleng foi projetado para fazer com que os internos confessassem quaisquer crimes de que fossem acusados pelo “partido”. Os prisioneiros eram rotineiramente agredidos e submetidos à tortura com choques elétricos, instrumentos de metal incandescentes e sufocamento com sacos plásticos. Métodos amplamente utilizados para obter confissões incluíam o uso de afogamento simulado, remoção de unhas do prisioneiro com despejamento de álcool sobre a ferida, e a remoção da pele de algumas partes do corpo (com as vítimas ainda vivas). Mulheres algumas vezes eram estupradas por guardas e tinham suas genitálias mutiladas e seus seios amputados. Apesar da maioria dos prisioneiros terem morrido devido a esse tipo de abuso, os oficiais não eram encorajados a matá-los, já que o Khmer Vermelho precisava de suas confissões.
Nas suas confissões, os prisioneiros eram obrigados a descrever sua historia de vida pessoal. Se fossem membros do partido, deveriam descrever suas funções dentro da Angkar. Depois deveriam relatar seus supostos atos de traição em ordem cronológica. O terceiro passo da confissão descrevia a transcrição das supostas conversações e dos planos frustrados de traição. Por último, o traidor nomearia uma série de outros supostos traidores, que poderiam incluir seus amigos, colegas, família e conhecidos. Algumas dessas “listas” continham mais de 100 nomes. As pessoas cujos nomes constavam nessas listas eram, na maioria das vezes, trazidas para interrogatório.
Uma confissão comum seria transcrita em muitas páginas, nas quais o prisioneiro intercalaria eventos reais de sua vida com relatos imaginários de suas atividades de “espionagem” para a KGB ou para o governo vietnamita. A confissão do oficial Hu Nim terminou com as palavras “Eu não sou um ser humano... eu sou um animal”. Um jovem inglês chamado John Dawson Dewhirst, preso em Agosto de 1978, relatou que entrou para a CIA aos 12 anos de idade, após seu pai receber uma propina considerável de um colega de trabalho, também agente. A tortura física era combinada com privações de sono e descaso deliberado dos prisioneiros por parte dos guardas. Os objetos e técnicas utilizados para tortura física e psicológica são exibidos no Museu Tuol Sleng.
A esmagadora maioria dos prisioneiros eram inocentes das acusações, e todas as suas confissões foram produzidas por tortura.
No primeiro ano de existência da S-21, os cadáveres eram enterrados nas proximidades da prisão. Nos anos seguintes, entretanto, os oficiais acabaram por ficar sem espaço físico para enterrar os cadáveres, então, os prisioneiros e suas famílias passaram a ser levados ao Centro de Extermínio Choeung Ek, cerca de quinze quilômetros de Phnom Penh. Lá, eles eram mortos com bastões, barras de ferro, machados, terçados, moto serras, e muitas outras armas brancas. Após as execuções, as vítimas eram enterradas pelos soldados em sepulturas coletivas que comportavam de 6 a 100 corpos simultaneamente.
Os Sobreviventes de Tuol Sleng
Das milhares de pessoas que estiveram aprisionadas em Tuol Sleng, tem-se notícia de apenas doze pessoas que sobreviveram. Desses, apenas quatro se encontram ainda vivos nos dias de hoje: Vann Nath, Chum Mey, Bou Meng e Chim Math, a única mulher entre os sobreviventes. Os três homens foram mantidos vivos porque eles tinham habilidades que os oficiais julgavam ser úteis para o partido. Vann Nath era um artista habilidoso e foi indicado para pintar retratos de Pol Pot. Muitas das suas pinturas são exibidas no Museu do Genocídio Tuol Sleng. Bou Meng, cuja esposa foi morta na prisão também é um artista. Chum Mey foi mantido vivo por razão de sua perícia em maquinaria. Chim Math foi mantida em Tuol Sleng por 2 semanas e transferida para a unidade prisional de Prey Sar. Ela pode ter sido poupada pelo fato de ser oriunda do distrito de Stoeung, em Kampong Thom, local de nascimento de Kang Kek Iev, o “Camarada Duch”. Ela foi reconhecida também pelo seu sotaque interiorano durante os interrogatórios.
A Descoberta de Tuol Sleng
Em 1979, Ho Van Tay, um fotógrafo militar vietnamita, foi a primeira pessoa ligada à imprensa a documentar os horrores de Tuol Sleng para o mundo. Ho e seus colegas seguiram a trilha de cadáveres podres rumo aos portões de Tuol Sleng. As fotos de Ho documentando o que ele viu quanto chegou ao lugar estão exibidas em Tuol Sleng hoje em dia.
O Khmer Vermelho exigia que a equipe da prisão fizesse um dossiê detalhado de todos os prisioneiros. As fotografias estavam incluídas na documentação. Porém, como os negativos foram separados acidentalmente dos dossiês no período de 1979-1980, muitas fotos permanecem anônimas.
Algumas copias dessas fotos estão sendo exibidas também exibidas em uma universidade em Ithaca, Nova Iorque.
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